sábado, 1 de agosto de 2015

A SAGA ME - MULHERES EMERGENTES - PARTE I B


A RELÍQUIA:
                           MULHERES EMERGENTES número zero, na íntegra.






                                                      
                                                       AUTORAS E POEMAS

                                                    ME NO. ZERO – NOV. 1989

EDITORIAL – LÚCIA CASTELLO BRANCO


Imagem  –  ZELIA ROGEDO

Lusco e fuscoTÂNIA DINIZ

Memória amorosa -  ADÉLIA PRADO

Feminae  SONIA QUEIROZ

Silogismos  –  LAÍS CORRÊA DE ARAÚJO

Hermafrodita  –  LIVIA TUCCI

Vertigem –  MARIA ESTHER MACIEL

Imagem  XV  –  ADALGISA BOTELHO DE MENDONÇA

Herótica  –  ELZA BEATRIZ DE ARAÚJO

Misiones  –  RITA ESPECHIT

Estigma  –  THAIS GUIMARÃES

Maria quarta  –  MALLUH  PRAXEDES

Mão única  –   DORA TAVARES

Prece absuerda  –  BRANCA DI PAULA


                                 POESIA DE LÍQUIDA MATÉRIA
 
                                            Lúcia Castello Branco

Quando penso em “ Mulheres Emergentes”  como uma expressão que busca nomear a poesia erótica feminina da contemporaneidade, a primeira coisa que me ocorre é a presença de uma inegável metáfora fálica que ali se expressa. Afinal, “emergir” significa “sair”, “elevar-se”  e, no contexto em que a expressão se encerra, não há como não ver um falo à vista nesse movimento.
Entretanto, nos poemas dessas mulheres que emergem, percebo uma vez mais que esse discurso feminino aponta para algo que se situa mais além. Ou mais aquém, se quisermos pensar a poesia como uma escavação contínua e alucinada da linguagem.
Não é por acaso , portanto, que dentre 14 poemas eróticos, pelo menos 3 deles façam referencias explicitas a Deus, esse estranho lugar do indizível e do inominável onde o feminino vai gozar. Isso sem falar na reiteração constante do silencio, do gozo total, ou do místico pertencer a que essas mulheres se referem.
É aí nesse momento que que a ideia de emergência, a meu ver, se amplia, fazendo ecoar em suas reverberações a pantanosa e líquida matéria de onde o emergente provém:  afinal, “emergir” é “sair de onde estava mergulhado”. Não há como não ver água nesse percurso . não há como não ver mergulho nessa trajetória . Talvez por isso se possa ouvir nessa poesia erótica feminina, não somente o emergente, mas o imergente que seu emergente contém.
E aí a metáfora não só se amplia como permite pousar num curioso entrelugar, que não é dentro nem fora, nem fundo do mar, nem  terra firme, mas alguma coisa entre os dois, como se vê em  "Lusco e fusco”, ou em “Feminae”: dentro e fora d`água.
Talvez, assim: na espuma da superfície das águas que, ora emerge, ora submerge. Nesse lugar entre não há leis do falo ou da fala, mas uma constante e absurda prece em torno do que não se diz, do que não se nomeia.
Onde o gozo? _ indaga a poesia feminina. A resposta _ as mulheres sabem _ é sempre uma cilada. Resta então preencher a errância (ou a vertigem) com palavras que jamais preencherão, jamais alcançarão esse gozo total, sempre deslizante, sempre mais além.
E o mais além – elas sabem – pode estar na gruta diamantina ou no dedo viperino, no continente boreal ou na inacreditáveis unhas do homem. Mas estará  certamente  - e disso elas também sabem – nas palavras, palavras que fazem da pétala do coral a matéria mais erótica da poesia. E que nos falam de um estranho amor, capaz de lavar a alma. Ou a vulva.

                                                                                                         Professora da UFMG, pesquisadora.




IMAGEM 

Me pense nua
Rua em que passas
Sob luas
Teu espaço
Passo
Luminosa esfera.

Me pense escura
Pura noite hera
Colada ao pelo
Teu braço
Em minha pele.

Me pense chama
Pois que ardo
Assim eu quero.
                                 Zélia Rogedo – bh-mg


Lusco e fusco 

Entreternu(r)a
entre ondas
de lençóis,
entreabertos
nuvens e sóis
da noite

Em voo cego
em nervoso açoite
de lábios e músculo
me procuras 

Te entrenego
entrebuscas
me entrescondo
(entretranso)
entrefugindo
me encontras

Me entrego
e venho
tempo de se ter 
 te entre tenho.

                                                                          Tânia Diniz – bh-mg



Memória amorosa

 Quando ele aparece
Bonito e mudo se posta
Entre moitas de murici.
Faz alto-verão no corpo,
No tempo dilatado de resinas.
Como quem treina para ver a Deus,
Olho a curva do lábio, a testa,
O nariz afrontoso.
Não se despede nunca.
Quando sai não vejo,
Extenuada por tamanha abundância:
Seus dedos com unhas, inacreditáveis!
              
                           Adélia Prado – Divinópolis –mg



Feminae

A minha carne dói 
desta certeza 
De animal solto
Que tem dono
(este místico pertencer
E ser tão livre)
O meu olho chama
E acha
E chameja
(e já não te pertenço
Mas ao fogo)
O meu corpo se entrega
E fulge
Em ouro teu corpo
(mas já fugi ao sol
Deitas-te em brisa)
Teço-te teias rendadas
E canto-te canções, eu ave livre
E danço,peixe
Dentrpo e fora d`água
E faço-te mel
E berro teu nome, cabra alucinada
E sei
Que se te encontro
Logo perco
(este rugir sempre
Tão longe e perto
A me chamar, leoa  
aos pés do rei)
                                                       
                                                           Sônia Queiroz – bh- mg




Silogismos

A língua sibilina
Em quando falo                                         _ fala?

O dedo viperino
Em quando levita                                    _ manuscrita?

A boca fescenina
Em quando suga                                     _ conjuga?

A pele colubrina
Em quando chama                                 _ diagrama?

O seio horizontino
Em quando iguaria                                 _ alegoria?

A coxa serpentina
Em quando possessa                                _ expressa?

A anca messalina
Enquanto sodomia                                  _ritmia?

A gruta diamantina
Enquanto sumarenta                                _ argumenta?

O sexo saturnino
Em quando estertora                               _ elabora?

A carne guilhotina
Em quando estala                                       _ cala.
                       
    Laís Corrêa de Araújo - bh-mg  


Hermafrodita 
 
Que eu me envolva,
que eu em vulva,
que eu me em verve.
                       
                        Do corpo adormecido,
                        a saliva acorda-nos em tempestades,
                        lava-nos em cântaros, a cidade.

                        Do animal desordeiro,
                        as ancas trêmulas e góticas,
                        cavalga-nos o potro em soluços, os cheiros.

Que eu me envolva
na verve de tua vulva,
que eu me inflame
no fluido de teu falo,
que silente calo, calo, calo.

                        Da boca,
                        que a reparto em duas,
                        em desmedida e assexuada gula,
                        sugo de uma só vez, ambíguos lagos.

                                                                                     Lívia Tucci – bh-mg
                                                        Poeta, cantora, professora de inglês



Vertigem 

Onde o gozo
Se do exílio
Ousa o corpo
O que olho
Nunca vê?

Se além do mais
Ainda a falta
Me arremessa
Ao não-saber?

Se não toda
E sem começo
Estremeço
De desejo
No sem-lei
Que é ser mulher?

                                        Maria Esther Maciel – Passos –mg



Imagem  XV 
Caminhar, penetrar segura na caverna misteriosa. Tropeçando em pedras, desviando-se dos ramos da entrada, molhando os pés nas poças d`água. Baixar a cabeça no estreito túnel e descobrir o imenso salão, estalactites, estalagmites, fio d`água corre no chão escorregadio. Andar compassado, seguir, profunda cratera.
Experimentar os sons, deformar os passos inseguros, lamber as paredes salgadas e úmidas, cheiro guardado em gaveta esquecida. Memória prodigiosa do tempo, alegria desconhecida. Fenda na terra, útero , trompas ovários e diversos outros salões imprevisíveis. Corpo independente, pai e mãe da busca, a fenda se projeta para o centro misterioso. E eu, espermatozoide do tempo, procuro o ovulo, minha meta implacável do esguicho final.
                                                        
                                                                 Adalgisa Botelho de Mendonça


Herótica 

Arando manhãs
Arranhando trevas
Quero que me ames
De trama inteira
Hera sanguessuga
Que me arranhe
Trepadeira.

                                                 Elza Beatriz de Araújo – bh-mg


Misiones
    
Chove no inverno argentino.
No céu nubes y medias lunas
No quarto calor y media luz.
A noite pulsa corpos e corações.

Ah, meu amor misioneiro
Catequisa-me
Água benta de tua boca
Lava-me alma e vulva.
                                                               
                                                     Rita Espechit  - bh-mg


 Estigma  

A pérola  entre a penugem
Da pétala de coral
Lateja.

A rosa, secreta
A surpresa, espera
Os dedos do jardineiro
E deseja.

                                         Thaís Guimarães -bh- mg


Maria Quarta     
... Assim o pequeno deitou entre eles.
Um pouco no colo de Maria.
Um pouco no colo do pai.
E os três foram se embolando.
Um esquentando o outro.
Ele rindo pra Maria.
O pequeno vindo pra Maria.
Maria pegando os dois no colo.
O pequeno do lado direito, dormindo.
Ele no lado esquerdo, pedindo.
Os dois e Maria.
Ele e seu filho.
Na noite.
No frio.
Até outro dia.
Lindo dia Maria.
                                                              Malluh Praxedes  - bh -mg


Mão única

A única mão que prevalece
É a sua a deter
Nos meu trilhos
Tortuosas concessões
Ao longo de mim
Estreita.

A sua mão
 Única
A resvalar no macio
Das reentrâncias
Do meu colo
_ o continente boreal _
À espera do gozo
Total.
                                                        Dora Tavares - bh-mg


Prece absurda  

Salva-me de mim mesma, amor
Salva-me do frio e do eterno
Livra-me do medo e do fatal instantre
Liberta meu desejo cativo de teu beijo
Acalma minhas entranhas, amor
Acende vela  que eu não quero escuro
Esconjuro o demo, o corpo não presta
Repousa aqui:
Uma fenda úmida rasga o deserto.

                                                               Branca di Paula - bh-mg



ATÉ BREVE, AMIGOS!
Tania

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